segunda-feira, 27 de abril de 2009

Sabes-me

A tua boca soube-me a melância
E a sede urgente do meu desejo
Saciou-se no gosto desse beijo

A tua boca soube-me a canela
Naquele outro beijo dado a medo
Sabe-me a canela o teu segredo

A tua boca sabe-me a pimenta
Com a lingua entre os dentes de marfim
Melancia, canela e depois... sabe a mim!

domingo, 26 de abril de 2009

Cena final

Abriste-me no peito uma ferida,
grande como um punho
e dessa ferida saíam rosas rubras.

Cavaste entre nós um vale de silêncio
e cortaste em pedaços todo o cânhamo da terra.

Aplanaste a torre com que subi ao teu céu,
e expulsaste-me para leste do paraíso.
Tudo o que tu dizias era estrangeiro,
e deste-me de presente a solidão.

Quando abri os olhos
e me ergui fitando o horizonte
onde o sol destacava a palavra "FIM",
percebi de repente:
Ao perder-te, perdi-me de mim.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

ÉS…

ÉS…



Tu sabes quanto me encantas
Mas vejo, ainda te espantas
Quando me vês querer-te tanto
Não sei que ideia é a tua
Quererás que diminua
Ou cesse todo este encanto?


Como posso então fazer
Se o facto só de te ter
Me deixa tão extasiado?
Esquecer-te, sabes... não posso!
Afastar-me? Oh vê o fosso
Que fica entre nós cavado!


Tu és a estrela que atrai
Nesta vida que já vai
Caindo num fim de tarde
És dos meus olhos o brilho
És a estrada és este trilho
Que percorro ao sol que arde


És desse sol a ardência
Que tenho por excelência
No caminho que percorro
Mas também sombra onde encosto
Água que bebo e que gosto
E que se não tenho... morro!


És a dona da magia
Que faz com que dia a dia
Queira ter-te aqui comigo
És a paz onde descanso
És a música que danço
És o meu porto de abrigo


És tudo, és luz, és ribalta,
Sonho real, glória alta,
Que encontrei na minha vida
És presente no futuro
Mais não quero nem procuro
Nem pode haver despedida!


Joaquim Sustelo
(em UM POUCO DE SOL)

DEIXA FICAR UM BEIJO

DEIXA FICAR UM BEIJO



Deixa ficar um beijo
Ainda que partas...
Terei o ensejo
De o guardar junto às cartas
Onde mandavas tantos
Tão lindos, outrora...


Deixa ficar um beijo
Quando fores embora


É muito? É pouco?
Mas mata este desejo:
Ter mais um beijo teu
Até ficar louco
Por te ter perdido


Depois olhando o Céu
Inda hei-de agradecer
Ter contigo cruzado
E ter vivido


E o beijo guardado
Lá vai permanecer
Na gaveta, a um canto,
Triste, calado...


- O resto deste encanto
Agora adormecido.


Joaquim Sustelo
(em UM POUCO DE SOL)

A PRIMEIRA MUSA

A PRIMEIRA MUSA



Quando por mim passou
Olhei... ela me olhou
Num incontido espanto
Quantos anos passaram!
E os olhos a fitaram
Tinha mudado tanto!


Rosto já enrugado
Olhar bem mais cansado
Que a vida já lho trouxe...
E parámos os dois
Sorrimos e depois,
Depois... cumprimentou-se


As coisas do costume...
Um pouco inda de lume
Que nosso amor nos deu
Brilhava no olhar
Como que a recordar
Tudo o que aconteceu


Tantos anos ausente!
E agora finalmente
De novo eu a revia
Já uma luz difusa
Mas a primeira musa
Da minha poesia.


Joaquim Sustelo
(em UM POUCO DE SOL)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Na cidade

A noite iluminada por loves em néon.
As paredes cobertas de cartazes
Com estrelas do roque que, sem som,
Cantam sobre o amor ser eterno,
E único, e outras palavras fugazes.
As pessoas a queixarem-se do inverno.
As estátuas sozinhas em praças,
De braços esticados aos pombos.
Os bêbados que passeiam aos tombos.
Os cães a cossar pulgas e carraças.
Os loucos a falar de outros mundos
Distribuindo profecias e ameaças;
E mais tarde, a dormirem vagabundos
Em pedaços sujos de cartão.
Ah! Como cansa tanto a solidão!
Como cansa ouvir repetir um chavão!
Como cansa tanto do que se vê,
e mais ainda viver sem saber porquê!
Às vezez o próprio cansaço me cansa.
E então procuro, no meio de tudo isto,
Essa bóia vaga de esperança
Que é descobrir-te nos olhos que existo.